Olá Spooks, tudo bem?
Olha que lindinha essa foto de eu sorrindo, só pra não chorar.
As coisas foram acontecendo e eu acho que não me expliquei direito até agora.
Tenho ciência que estou ausente no blog e que o conteúdo aqui tem ficado bem obscuro ultimamente, sem momentos de descontração e distração, mas hoje vim explicar resumidamente o que veio acontecendo. Então vamos lá:
Em janeiro de 2017, minha irmã mais nova que eu, com a qual eu não me lembro de não ter vivido junto, a Emily, morreu de Câncer com apenas 21 anos.
Ela tinha planos de ter uma família, de casar, evangelizar pelo mundo agora que tinha aderido à uma religião, e estava fazendo faculdade de RH. Tudo bem que ela trocava qual profissão queria ter de semana em semana, mas ela tinha planos, objetivos traçados. Minha irmã comia de quase tudo, já tinha feito atletismo e tinha uma vida ativa.
Do outro lado tinha eu: cansada, desesperançada, triste, sem sonhos e sem vontade de viver, tentando preencher minha vida com o que quer que fosse. Não são talentos, são tapa buracos. Sedentária e desmotivada, depressiva, querendo, quase clamando pra morrer.
Então, minha irmã, cuja responsabilidade de cuidar eu me atribuí estava com câncer e não havia nada que eu pudesse fazer.
Nas horas difíceis que a gente percebe o quanto é medíocre.
Eu me lembro de ter ficado com raiva dela por ter tido câncer, pois eu não poderia me matar, porque seria muita coisa pra minha mãe suportar e agora eu não podia mais. Eu lembro de culpá-la pela própria doença por causa de suas ações. Fui o pior tipo de pessoa que alguém pode ser, egoísta, e me envergonho disso.
O câncer dela foi evoluindo aos poucos. No começo a gente até brincava com a situação, mas foi ficando cada vez mais difícil conforme a gente via que estava piorando. Eu depois de me arrepender do que eu tinha pensado, fiquei indignada com Deus. Por que, agora que ela tinha se aproximado dEle essa doença surgira? Por que em vez de tantas pessoas que fizeram atrocidades, mataram, abusaram, estupraram e torturaram outras Ele havia escolhido minha irmã? Por que não eu, que não estava nem aí pra minha vida, empurrava ela com a barriga e me matava aos poucos? Me senti inútil, incapaz, fraca, a pior irmã que ela poderia ter, porque eu simplesmente não sabia como agir, como proteger minha irmã e defender ela daquela bosta de doença que tinha crescido nela.
Eu queria morrer mais ainda do que antes, quando o câncer foi para o peritônio, eu suplicava pra Deus me passar aquela dor, pra que ela não sentisse. Eu via ela gemer de dor, chorar, pedir aos prantos pras enfermeiras aplicarem mais uma dose de morfina para amenizar a dor dela.
Quando ela estava bem a gente conversava, brincava e brigava. Eu traficava comida pra ela e comíamos escondida, eu simplesmente fingia que estava tudo bem quando ela passava mal quando estava sem sonda, só porque ela odiava usar aquilo e não queria colocar, a gente brigava também, porque ela não deixou de ser teimosa em nenhum momento, muito menos eu.
Ela dizia que acreditava que tinha que passar por tudo isso pra testemunhar pro mundo como Deus tinha salvado ela. Dizia que, mesmo que morresse, que se a doença aproximasse a família de Deus, que isso já seria um milagre.
Eu orei pra Deus, usei todas as minhas forças pra que ele fizesse um milagre e curasse ela. Eu supliquei, eu acreditei de verdade. Mas Ele tinha sido impassível quanto ao destino dela.
Numa das noites que eu estava no hospital com ela eu tive que ouvir ela pedir para ser sedada, mesmo sabendo que talvez isso implicasse nela nunca mais acordar. Ela dizia que eu não tinha idéia da dor que ela sentia, e eu sabia que não. Ela disse que queria dormir e a médica a sedou. Foi um momento muito estranho. Eu mandei mensagem pra minha mãe falando que ela tinha pedido para ser sedada e fiquei ali do lado dela esperando. Eu literalmente tive que ficar esperando minha irmã morrer porque ela queria assim. Só ela sabia o que ela estava sentindo, e eu acreditava nela, eu estava ali por ela. O sedativo não funcionou e eu, no fundo fiquei feliz por isso. Ela estava ali de novo, tinha sido por pouco.
Lidar com alguém nessa situação é muito difícil. Somos egoístas. Muito mais do que imaginamos. Até que ponto chegamos? Permitir uma pessoa sofrer de dor só para tê-la só mais um momento com a gente, deixar alguém que amamos passar por tudo isso? A esperança também pode ser ruim. A gente nunca quer desistir do outro, mesmo que a pessoa em questão queira descansar e não mais sentir dor. Fazemos o que for pela pessoa, mas desistir sempre está fora de cogitação.
No dia que ela morreu era pra eu ter dormido no hospital com ela. Eu estava cansada e não fui. Eu sei que se eu tivesse ido, provavelmente teria desligado a máquina de sedação pra ela acordar e a gente conversar de novo. Mas não foi assim que aconteceu. No dia 21 de janeiro minha mãe mandou que ela tinha morrido. Eu avisei minha família e fomos no hospital vê-la. Não sei por que eu fiz aquilo, não deveria ter ido. Sua mão ainda estava morna e a barriga, o câncer, vivo dentro dela, a única parte quente do corpo dela. Eu segurei a mão dela ali uma última vez. Eu chorei. Tudo tinha acabado. Tudo.
Eu não fui ao velório, nem ao enterro dela. Ela já tinha ido ver minha irmã sem vida numa cama de hospital. Já havia me torturado o suficiente. Não ia aguentar a falação que é um velório, o evento social que fazem disso com o corpo da minha irmã exposto, como nada. Não fui e não me arrependo.
Enquanto todos estavam lá eu fiquei em casa. A Gi veio e ficou comigo. Eu distraí minha cabeça, assisti TV e mesmo quando vieram comer e me ofereceram pela terceira vez pra ir eu não fui. Tudo já tinha acabado.
Eu nunca disse um Adeus pra minha irmã, e nem queria. A última vez que a vi ela tinha mudado de quarto. O namorado dela tinha acabado de chegar e, aproveitando que a família do "colega de quarto" dela não estava, ela pediu pra que eu empurrasse a cama do outro paciente mais pra perto da parede, pra sobrar mais espaço pra ela. O último olhar que ela me deu foi de arteira. Lembro que abracei ela rapidamente e saí. Foi um até, não um Adeus.
Minha irmã lutou muito, muito mesmo. Mais do que qualquer um que eu conheça teria lutado. Ela queria viver, e isso era incompreensível pra mim. Eu não entendia. Mas tentei ver o lado bom da vida, por ela.
No dia seguinte fui na casa de uma amiga espírita e ela me deu uma nova perspectiva. Parei um pouco de culpar Deus e comecei a digerir melhor a morte da minha irmã. Tive esperança e passei a ver tudo de uma forma diferente. Comecei a frequentar um Centro Espírita e confesso que fiquei bem melhor, havia feito as pazes com Deus não só pela Emily, mas por muita coisa. Pensei que se nem eu queria mais viver aqui, porque ficar prendendo minha irmã nesse mundo tão cruel? Finalmente eu havia aceitado a morte dela, eu queria que ela estivesse bem, e não preocupada ou triste. Fiz isso por nós duas.
Mesmo lidando melhor com a morte da minha irmã, confesso que não foi nada fácil.
Minha mãe, irmãos, tias e quase todos a minha volta estavam ainda muito fragilizados e em um luto intenso. Em vez de se unirem cada um ficou em seu canto, sofrendo sozinho. Eu tentava mostrar essa nova perspectiva mas só estava conseguindo piorar as coisas (no pensamento funciona, mas na hora de formar palavras, dá merda). Então me afoguei no trabalho. Fiz da escola que eu trabalho um filho e dei toda minha atenção, força e dedicação pra ela. Trabalhava o dia inteiro, as vezes pulava almoço, ficava até tarde, trazia trabalho pra casa e quando não trazia, ficava pensando no trabalho o tempo todo pra não ter que lidar com a minha família. Foi a pior merda que eu fiz.
Com um tempo comecei a pegar tudo pra mim. Quanto mais responsabilidade eu tinha, mais eu pegava. Me lotei de trabalho. E, como havia me responsabilizado pela Secretaria, agora eu tinha que tomar conta de tudo e, já que eu vou ter que responder por qualquer erro, melhor que seja meu. Não deixava nada quase pra outras pessoas fazerem (até hoje não deixo muito). Daí começou a síndrome de Burnout. Comecei a não dar conta, entregar coisas em cima do prazo, começaram a surgir pequenos erros devido à falta de atenção e isso foi gerando frustração, estresse, aquele tão recorrente sentimento de inutilidade e uma depressão.
Cheguei a procurar ajuda. Fiz terapia, tratamento espiritual, mas aos poucos o trabalho foi me consumindo mais e mais, até eu não ter forças mais pra procurar ajuda, e desistir.
Eu comecei a me afastar das pessoas, reprimi meus sentimentos pra não sofrer mais. Eu apenas não sinto. Se alguém perder um ente como eu perdi, ou até mesmo eu, não vou agir mais com tristeza, é algo que acontece. Me esforcei ao máximo pra parar de sentir, porque sentir dói muito, e já não tem mais espaço em mim pra dor. Sem sentimentos, sem tristeza, sem alegria, sem sonhos, sem vontades, sem medo, sem esperança, sem vida.
Até pouco tempo atrás minha idéia era me jogar numa avenida movimentada com uma carta no bolso inocentando o motorista pelo acidente, uma carta de suicídio. Mas como penso muito e teria diversas chances de eu não ser a única fatalidade e depois eu me culpar no além, desisti da idéia. Nessa altura eu já tinha perdido o controle e comecei a falar tudo que me vinha a cabeça, sem filtro. Resumindo: está ainda dando merda. Confessei pra duas amigas minhas minha vontade e elas me fizeram prometer não pensar nisso, me dando a missão de cuidar delas.
E é isso Spooks. Por isso que eu sumi nos últimos meses. Não estou bem, porém estou tentando uma outra vez. Não está fácil, mas cá estou.
Foi difícil escrever algumas coisas aqui, mas como disse em outro post anteriormente, preciso esvaziar o copo um pouco. Espero que vocês me perdoem. Espero que e Emily me perdoe. Espero mais ainda que eu consiga me perdoar.